FORA DA CAIXA

Luís Mendonça requalificou o design das conservas portuguesas e renovou-lhes a identidade através do projecto José Gourmet, que construiu em parceria com Adriano Casal Ribeiro. Esta é uma conversa sobre como aliar a estética ao conteúdo de um produto.

Como surgiu o nome José Gourmet?

Conheci o Adriano Casal Ribeiro quando ambos vivíamos em Macau. Eu dava aulas de Design e ele pilotava aviões na Air Macau. Muitas das nossas conversas acabavam por falar dos produtos da nossa terra e da pouca importância que tinham para a maiorias dos países da Europa e do mundo. Os enchidos, as conservas, as carnes, os queijos, os frutos secos, a nossa matéria—prima e gastronomia. Essas conversas acabavam com o Adriano a dizer—me que um dia faria alguma coisa para divulgar os produtos portugueses. Desafiou—me muitas das vezes a colaborar com ele com o design. As conversas foram sendo recorrentes mas passou muito tempo até constatarmos que estávamos a dar, de facto, os primeiros passos.

Se pudesse sintetizar José Gourmet, é um projecto de design com sabor ou de gastronomia com estilo?

Acho que é um projecto de qualidade e de escolha. De escolha do melhor que se faz em Portugal em cada coisa que seleccionamos. E um projecto com identidade mas sem saudosismos, de bom gosto mas com substância. É um projecto contemporâneo atento às propriedades do conteúdo e às qualidades estéticas. Um projecto de produtos genuínos e “bem vestidos”.

Quando lhe falaram em renovação do produto tradicional de conservas, pensou que este seria o produto ideal para trabalhar “fora da caixa”?

Estudámos o mercado, provamos dos melhores produtos que se faziam em Portugal, e tentamos perceber porque é que um produto com tanta qualidade nutritiva, tão rico em ômega 3, sem conservantes, não estava nas mesas dos portugueses, dos adultos, das crianças. Porque não era consumido ao almoço, ao lanche, ao jantar, a ceia. Por que andava tão distante de um bom Vinho, por que não acompanhava os melhores produtos, e nunca aparecia em pratos sofisticados. O grafismo das embalagens é apenas uma parte do design. A estratégia passou por recolocar o cliente num outro patamar, convidando-o a ter uma nova atitude, acordando nele a consciência destes produtos, das suas potencialidades gastronómicas.

O lançamento da marca foi uma colaboração com 12 designers escolhidos por si que pudessem facilmente trabalhar a conserva num universo infantil.

A escolha dos ilustradores fazia parte da estratégia. Escolhi doze dos mais conhecidos ilustradores para a infância dos últimos anos, ilustradores que têm feito sonhar gerações, que têm feito as delícias de tantos meninos e meninas, alguns deles agora já adultos e com filhos. O design gráfico da embalagem foi previamente estudado. Aos ilustradores foram dadas pequenas indicações, feito um trabalho de direcção de arte normal neste tipo de iniciativa, quando se envolve mais do que um autor e quando se sabe o que se pretende.

Foi depois de José Gourmet que a conserva chegou a modernidade? Tem olhado para a concorrência?

Vou entender essa questão como um elogio. Portugal andou embriagado com os feitos dos nossos antepassados. Acho que há empresas que têm feito um trabalho notável na recuperação de pequenas fábricas e ofícios, que têm preservado o ambiente gráfico do passado, algum deles de grande qualidade, a maior parte conotado com o salazarismo. Ao Adriano disse que esse não seria o nosso caminho, que gostaria de tentar fazer coisas de maior risco e que nos dessem mais prazer. Todos os dias estou a observar as coisas que se Vão fazendo. Agrada-me ir montando um puzzle, uma história dos acontecimentos. Gosto de tentar perceber em que medida O que se faz aqui pode influenciar algo no exterior. Isso provoca-nos algum orgulho, mas ao mesmo tempo a necessidade de recolocar continuamente o norte em cima da mesa.

 

O grafismo das embalagens é apenas uma parte do design. A estratégia passou por recolocar o cliente num outro patamar, convidando—o a ter uma nova atitude, acordando nele a consciência destes produtos, das suas potencialidades gastronômicas.

 

A Maria Organic é a irmã mais nova de José Gourmet que vive obcecada com os produtos biológicos e a sustentabilidade do planeta?

Não sei se é a irmã mais nova. Pode ser uma namorada, pode até ser uma prima. Estão ambos aí. Não sabemos o que vão fazer, como se vão dar. Ambos precisam de percorrer caminhos, precisam de crescer, de influenciar e de ser influenciados. Acredito que venham a fazer parte de uma teia no futuro. Estão empenhados em promover o que de melhor se faz em Portugal e ser seduzidos pelos portugueses, espanhóis, franceses, alemães, japoneses…

Se lhe fosse dada liberdade para requalificar o design de outro grande produto de referência nacional, que produto démodé escolheria?

A política e os politicos. Parecem—me cada vez mais apenas produtos de si próprios, sem design, postos na montra à pressa para vender. Uns fora de prazo, outros sem instruções, só com embalagem. E sem garantia.